"Ninguém nos ligou". Família descobre morte da filha três meses depois
- 17/11/2025
Jean Forest estava de férias na Bretanha, no noroeste francês, quando se apercebeu que já não falava com a filha, Marjolaine, há demasiado tempo. Com medo de a perturbar, sabendo que ela é uma mulher focada na sua carreira decidiu consultar o site da instituição onde Marjolaine ensinava. Lá, descobre o obituário da filha.
O dia ficou marcado para Jean: 12 de junho de 2025. Foi nesse dia que decidiu fazer uma simples pesquisa, que já tinha feito tantas vezes antes, e com um ‘In memoriam’ depois de procurar o nome da filha na Universidade Lyon-II, onde Marjorie era professora e afiliada do laboratório de pesquisa do Instituto de História das Representações e Ideias nos Tempos Modernos (IHRIM).
No início, conta o Le Monde, Jean não percebeu bem o que estava a ler. O que significava aquele texto adornado com um crisântemo. Depois, surge-lhe o arrepio na espinha e a realidade abate-se sobre si: é o obituário da sua filha.
"É com grande pesar que recebemos a notícia do falecimento repentino de Marjolaine Forest."
Jean, como o polícia reformado que é, começou de imediato a ligar para hospitais e funerárias, a tentar perceber o que tinha acontecido. Por fim, disseram-lhe: a filha tinha morrido a 6 de março num hospital em Lyon.
Durante esses três meses nem os pais de Marjolaine nem a sua irmã mais nova, enfermeira de profissão, foram informados da morte da mulher de 51 anos.
Tomado pela dor, Jean pôs mãos à obra para descobrir o que tinha acontecido à filha - e porque é que não tinham sido informados.
Hospital alega que filha pediu para pais não serem contactados
A partir do hospital, o ex-polícia de 77 anos, descobriu que a filha tinha ligado para o serviço de emergência nacional no dia 25 de fevereiro com dores abdominais. Devido aos sintomas deu entrada no hospital, onde, mais tarde faleceu, e foi internada, acabando por entrar em coma. Marjolaine chegou a recuperar a consciência, mas pouco depois, a 6 de março, por volta das 17h00, o seu óbito era declarado.
No processo da filha, uma nota chamou a atenção de Jean: "Tentámos entrar em contacto com o pai, sem sucesso. Ele não nos contactou".
Jean foi confirmar. Verificou minuciosamente os registos de chamadas no seu telemóvel e no seu telefone fixo, achando que, talvez, algo lhe tivesse escapado - mas não encontrou nenhuma chamada do hospital. "É mentira", garante. "Nunca ninguém nos ligou."
Confrontado, o hospital alegou que Marjolaine tinha "indicado que não desejava que a sua família fosse contactada ou informada sobre o seu estado de saúde". A unidade de saúde acrescentou que se solidariza e compreende o sentimento da família, mas que foi uma decisão da doente de mantê-los "à distância".
Em 2021, tinha acontecido uma situação semelhante. Marjolaine foi internada no mesmo hospital devido a dores fortes, mas só informou os pais dois dias depois, para não os preocupar. A filha de Jean nasceu com uma malformação na medula espinhal, que a obrigou a ser alvo de constantes cuidados médicos durante toda a sua infância. Ao chegar à maioridade, decidiu que tinha de aprender a cuidar de si própria sem ajuda,
Mas o caso adensa: os pertences de Marjolaine desapareceram. O cartão de identidade, o seu relógios, os cartões multibanco e até o do seguro de saúde, que constavam no inventário de admissão da paciente, estão em parte incerta.
"Não sabemos onde estão as coisas dela", diz Jean, acrescentando que sente que os serviços administrativos do hospital levaram a cabo "uma espécie de eliminação" do processo.
Município tentou encontrar a família através da internet
Jean descobriu depois que o corpo da filha tinha sido levado do hospital para o centro funerário municipal de Lyon, onde permaneceu durante cinco semanas em refrigeração, à espera que alguém o reclamasse. Não havendo, Marjolaine foi sepultada num cemitério, numa cerimónia onde nem familiares nem entes queridos marcaram presença.
O município de Lyon garante que tentou contatar a família de Marjolaine, e que um funcionário dedicou ainda algum tempo a tentar encontrar os familiares da mulher online.
"Com quase 80 anos, é pouco provável que nos encontrem nas redes sociais!", considerou Jean, perplexo com o facto de não ter sido contactado.
O antigo polícia frisou que a procura teria sido simples se tivesse usado os documentos de identidade de Marjolaine, identificando os seus pais, e encontrando a sua morada.
"Com o endereço, eles podiam ter encontrado a administradora do prédio, que tinha os nossos dados de contato, já que somos fiadores", explicou Jean.
Ex-colega reconheceu Marjolaine no funeral
Mas o caso ainda tem uma última particularidade. Jean descobriu o obituário da filha no site da universidade. Essa nota só lá estava porque Mina Hajri, uma voluntária numa associação de caridade, que se dedica a se certificar que corpos não reclamados têm um funeral digno. A mulher era também, por acaso, uma antiga colega de universidade de Marjolaine.
Mina tentou encontrar Jean e a restante família da mulher, mas sem sucesso. Em alternativa, decidiu enviar um e-mail ao instituto a que Marjolaine era afiliada, causando com que o diretor escrevesse o óbito que Jean viria, mais tarde, a encontrar.
Marjolaine Forest, doutorada em literaturas e artes e professora do ensino secundário, sofria de uma malformação na medula espinhal com a qual nasceu. A mulher aprendeu a caminhar apenas aos 16 anos, conseguindo depois apanhar um autocarro sozinha para ir para a escola e, depois, para a universidade. Mesmo assim, o trajeto exigia um enorme esforço de si.
Com a pandemia da Covid-19, Marjolaine passou a precisar de um andarilho para se deslocar, mas manteve a independência. Aliás, já hospitalizada, deixou instruções escritas aos médicos: "O que é importante para mim é a preservação mais completa possível da minha independência em todos os aspectos da minha vida". A palavra ‘todos’ tinha sido sublinhada duas vezes.
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